quarta-feira, 15 de outubro de 2008

Um "Causo" do Jovany

Texto da edição de setembro da coluna "Causos de Vila Velha", que mantenho no Jornal da Praia da Costa

AVENTURAS NA SELVA IMOBILIÁRIA

Jovany Sales Rey

Quatro anos atrás, por motivos profissionais, deixei a Praia da Costa e fui morar em Vitória. Agora, pelos mesmos motivos, decidi voltar. E feliz da vida, como quem, parodiando o velho ditado, “à boa casa torna”.

Por falar em casa, penei para achar uma ao meu gosto e dentro das minhas possibilidades. Não por falta de oferta. Isso tem até demais. O que matou foi passar três semanas entrando e saindo de apartamentos que, na maioria das vezes, são arapucas enganadoras, meras gaiolas de custo exorbitante empilhadas em edifícios com fachadas grandiosas. Nesse meio tempo conheci lugares agradáveis, habitados por gente cordial, mas também monstrengos estranhos como um caríssimo apartamento mofado, com insuportável cheiro de mijo ou um esquizofrênico três-quartos todo pintado em amarelo-caganeira, fora o disparate de o dono ter transformado um quarto minúsculo em dois menores ainda, repartindo entre eles uma única janela, meia banda para cada um. E o que dizer do cara de pau que anunciou no jornal “magnífica vista para o mar”, esquecendo de acrescentar que a vista só é apreciável entortando-se o pescoço no vão da báscula do banheiro? Enfim, vi e vivi de tudo: escadarias intermináveis, cômodos sem janelas, garagens submarinas, portarias sem porteiros, porteiros sem portarias. Um menininho chutou minha canela gritando “você quer roubar meu quarto!” Uma gata felpuda se apaixonou pelos meus pés. Quase fui mordido por um poodle genioso, bicado por uma calopsita furiosa e por pouco escapei de ser devorado pela legião de baratas que se apossou de uma cozinha inativa.

No quesito maluquice, o campeão foi um claustrofóbico apartamento de fundos encravado atrás das garagens de um prédinho da Hugo Musso, com as janelas (todas elas!), a dois palmos de um altíssimo paredão de concreto. Pois acredite, prezado leitor, por esse arremedo de prisão, cujas luzes têm que permanecer acesas o dia inteiro, pede-se a bagatela de 200 mil reais, absurdo que o proprietário justifica com a localização nobre. Aliás, esse é o argumento mais usado para supervalorizar o preço de todos os imóveis borocochós que visitei: “Tá na Praia da Costa, ué!” Se a entrada do prédio for pela Gil Veloso então, aí é que o bom senso desaparece por completo, caso de um primeiro andar, fundos, abafadão, taxa de condomínio milionária, oferecendo como paisagem única a área de serviço do edifício vizinho, pelo qual se quer nada menos que... meio milhão! “Ah, mas olha o endereço, é a Gil Veloso!”

Resumindo, consegui sobreviver à odisséia e achar o que queria, em boa parte graças a Tânia Almeida, a gentil corretora que me guiou com infinita paciência através do cipoal de ofertas imobiliárias no qual se transformou nossa antes bucólica Praia da Costa.

Mas tantas aventuras me fizeram lembrar do acontecido com um amigo meu, o compositor Richardson Hermetto, parceiro do Morris Albert, aquele autor de Feelings. Nos anos 70, ainda desconhecido, Richardson deixou o interior de Minas para tentar a sorte no Rio de Janeiro e foi procurar apartamento para comprar. Embora seu objetivo fosse modesto, a época era a do milagre econômico e tudo estava pelos olhos da cara. Procura daqui, procura dali e nada de achar um cantinho que desse para pagar com suas economias. Já estava beirando o desespero quando, ao ler os classificados do jornal de sábado, topa com a pérola que todo comprador de imóvel sonha encontrar: “Pescoço na forca. Vendo urgente, metade do valor, excelente quarto-e-sala na Rua dos Inválidos.” Richardson foi conferir, quase caindo duro de contentamento ao constatar que o anúncio não mentia. O quarto-e-sala era de fato muito bom e estava sendo vendido pela metade do preço. Mineirinho desconfiado, ele bisbilhotou todos os detalhes. Documentação? Em dia. Condomínio alto? Não, normal. Defeitos hidráulicos, elétricos, infiltrações? Nada. Seria um edifício problemático, reduto talvez de garotas de programa? Um-um. Vizinhança totalmente confiável. As únicas desvantagens alegadas pelo proprietário eram a urgência na venda e o fato de as janelas se abrirem para o prédio ao lado, onde funcionava uma repartição pública. Coisa pouca, dadas as circunstâncias. Richardson se rendeu. Feliz da vida, madrugou na segunda-feira e fechou o negócio, pagando à vista.

Na tarde seguinte, quando se mudou, bastou abrir as janelas para descobrir a razão da pechincha. No prédio ao lado, a dois metros de seu nariz, homens de branco necropsiavam um punhado de cadáveres! A tal repartição pública era, nada mais nada menos, que o Instituto Médico Legal do Rio de Janeiro.

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