segunda-feira, 2 de fevereiro de 2009

Oscar Niemeyer e Brasília: criador versus criatura

Sem entrar em polêmicas a favor ou contra (minha própria opinião deseinformada!!!!),,,
Silvia Fischer sempre criticou Niemeyer: "Brasília só corre risco pela sanha do próprio Niemeyer em ficar colocando brinquinhos, penduricalhos em seus projetos prontos"... Mas como disse Bachelard "a verdade não é filha da simpatia mas do debate", da discussão fundamentada digamos...
15/ 01/ 2009 - ARQUITETURA E URBANISMO (original publicado no site da UnB)
Oscar Niemeyer e Brasília: criador versus criatura Sylvia Ficher
Coitada de Brasília, Oscar Niemeyer não gosta mais dela. Infelizmente, nãodá mais para ignorar a realidade que aí está. Infelizmente, não dá para encontrar outra explicação para o estrago que o grande arquiteto federal vem fazendo, já há algum tempo, em sua principal obra, aquela que lhe rendeu suas mais altas honrarias, aquela que lhe garantiu uma posição ímpar no ranking dos arquitetos do século XX. Tudo começou devagarzinho, primeiro a Praça dos Três Poderes sendo comidapelas bordas com o Panteão da Pátria, predinho sem graça e sem uso, verdadeira câmara escura que só serve para atravancar o espaço e impedir avista… O Superior Tribunal de Justiça, a Procuradoria Geral da República e o Anexo do Supremo vieram na seqüência, bem mais pretensiosos e ainda mais fora de escala, com suas formas gratuitas e suas metragens gigantescas - afinal,quantos mais metros quadrados, melhor o honorário…E assim, de projeto em projeto, cada vez mais intervindo na escala monumentalda cidade, cada vez mais rompendo a graça e elegância da Esplanada dos Ministérios, chegou a vez do Complexo Cultural da República, com sua nanica biblioteca - nanica, talvez, por conta de um inconsciente desinteresse por edifícios úteis - e sua cúpula-museu - nem tão cúpula assim, menos aindamuseu. De quebra, a bela Catedral Metropolitana perdeu sua ambientação urbana e, para piorar, foi estrangulada pela gravata de concreto que lhe dá uma rampasem rumo ou razão. Há coisa de dois anos, uma robótica pomba - isto mesmo, uma pomba! - seria oprincipal elemento da praça que, segundo o arquiteto, estava faltando no Plano Piloto: a Praça do Povo. Repetindo a ausência de paisagismo do vizinho complexo cultural, a cidade iria ganhar mais um árido calçadão, mais um inóspito vazio onde desde sempre havíamos convivido sem maiores problemas comum modesto gramado… E lembremos o que fora previsto para o local por seu legítimo idealizador: um espaço desimpedido destinado a atividades ocasionais,como paradas militares, desfiles esportivos ou procissões; nas própriaspalavras Lucio Costa, “o extenso gramado destina-se ao pisoteio…” (”O tráfego de Brasília”, 1960).Ao que parece, Oscar Niemeyer se esqueceu da sua dileta pomba, aquela que, como afirmara veementemente à época, deveria ser a sua derradeira contribuiçãopara Brasília e sem a qual o seu opus brasiliense estaria inconcluso. E pareceque se esqueceu também do “povo”; agora, no mesmo local a praça será da“soberania”. Lá deverá ser erigido um prédio imprescindível, seja para opovo, seja para a soberania: o Memorial dos Presidentes. E um Monumento ao Cinqüentenário de Brasília, a ser comemorado em 2010; para que ninguém deixede entender a sua complexa simbologia, nada melhor do que um chifre de concreto,de cem metros altura, descrito como obra de grande ousadia tecnológica… Tanta construção apenas para encobrir um estacionamento subterrâneo… De quebra, na maquete eletrônica (incidentalmente, o novo tipo de empulhação arquitetônica que nos oferece o maravilhoso mundo da informática) é contrabandeado de um antigo projeto vetado pelo Iphan por desrespeitar, em muito, o gabarito estabelecido legalmente para o local - uma altíssima cobertura curva para abrigar shows de música popular, a qual implacavelmente lembra “as curvas do corpo da mulher amada”, só que com redondinhos seios de silicone e já buchuda. Coitada de Brasília. Afinal, apesar de tombada, há uma portaria do Iphan que autoriza tudo isso: Excepcionalmente, e como disposição naturalmente provisória, serão permitidas quando aprovadas pelas instâncias legalmente competentes, as propostas para novas edificações encaminhadas pelos autores de Brasília - arquitetos Lucio Costa e Oscar Niemeyer - como complementaçõesnecessárias ao Plano Piloto original... (Portaria nº 314, 8/10/1992, Art. 9º,§ 3º ). Tal qual o bordão de uma famosa personagem de programa humorístico, “Oscar Niemeyer pode!! “Coitada de Brasília. Para Oscar Niemeyer, ela está aí tão somente para manter ocupado o seu escritório sem risco de concorrência. Coitada de Brasília, cujo plano piloto foi escolhido transparentemente por concurso público, agora sujeita a decisões tomadas nos gabinetes de seus governantes. Coitada de Brasília, fadada a ser conhecida daqui por diante não mais como Patrimônio Cultural da Humanidade, porém como Capital Mundial dos Unicórnios…
Ficher é arquiteta, doutora em História e professora do Departamentode Teoria e História da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da UnB.

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