sábado, 2 de agosto de 2008

Entrevista com Jacques Rancière sobre o dissenso

La Mésentente'' (O Dissenso), Rancière define a política como o surgimento de um elemento que até então não fazia parte do conjunto daqueles que confrontavam seus interesses dentro de uma ordem consensual.São os "sujeitos do dissenso'', aqueles que tomam a palavra quando e onde não deviam fazê-lo e apenas são sujeitos políticos quando o fazem. De certa forma, ele mesmo admite, continua a pensar o paradoxo suscitado pelo conceito de classe em Marx. A classe operária é o ator do movimento político da sociedade, mas os operários precisam se tornar proletários, assumir seu papel histórico de sujeitos da revolução, para se transformarem nesse ator: os operários são a classe que precisa se tornar uma classe.Para repensar a questão, Rancière volta à filosofia grega antiga. "Eles foram os primeiros a pensar essa oposição simbólica que define a política, a dos sujeitos políticos que precisam se assumir simbolicamente como tais, e não apenas constataram a existência de grupos definidos economicamente''.
A "logique policière'' (a administração do status quo)...Rancière — Isso, os indivíduos e grupos colocados cada um no seu lugar, cada um com seu estatuto social definido, o governo enfim. Não é isso que chamo de política. A política é justamente o que rompe com isso, o que cria atores novos, objetos novos, em relação a esta lógica. Quando, no começo do movimento operário, discutem-se as condições de trabalho não como uma questão pública e não como um assunto entre pessoas, entre partes privadas, isso é um escândalo, eles criam um objeto novo: isso é a política.Folha — Mas não há "novos sujeitos'' no horizonte para forçar essa "logique policière''...Rancière — Sim, cada vez mais há uma saturação "policière'' da política, é o que se chama de consenso, nas nossas sociedades. Todos os grupos e problemas entraram nessa lógica, de realizar pactos para fixar os limites do possível, com parceiros sociais definidos e já identificados e integrados. Essa ausência de política, essa regra consensual, é ao mesmo tempo o outro lado de tudo isso que estamos vendo, do retorno do poder carismático, das guerras étnicas, racismo, xenofobia: é a modernidade, que é também consenso, o mercado etc. A política é o arcaico, o conflito. Sim, a política é rara, muito rara, mas não diria que ela está morta, nem mesmo com a hegemonia da idéia de consenso. Não sou um ator político muito ativo, mas me associo a este ou àquele combate que me parece ligado a tais questões.Por exemplo?Rancière — A questão da Bósnia, a questão da cidadania, da cidadania política e a ordem "policière'' mundial.
Quais podem ser os novos sujeitos do dissenso? De onde eles podem aparecer?Rancière — Existem novos sujeitos a medida que se inventam conflitos ou se reinventam antigos conflitos. Os novos sujeitos podem aparecer no limite do consenso, entre os excluídos do consenso, que são duplos um do outro, a exclusão e o consenso. Mas a verdadeira política é uma coisa que não se anuncia.O sr. critica a hegemonia atual da idéia de consenso, os pensadores da harmonia liberal de interesses e a razão comunicacional. O que o sr. pensa de Habermas?Rancière — Acho que pensar a política a partir da razão comunicacional habermasiana... Toda a lógica da razão comunicativa é a lógica do aprofundamento das implicações de uma situação de interlocução, na qual todos os parceiros já estão constituídos, dados. A partir do momento em que os grupos começam a discutir, eles vão confrontar suas normas de validade e, enfim, para serem coerentes com sua lógica, eles têm que estar de acordo com certas regras de discussão, sem o que se estaria desqualificado. O que tento mostrar é que a lógica da política não é essa, é a lógica do dissenso, daquele que não faz parte da discussão, de criar normas que não existem. Os sujeitos da política se inventam inventando as normas da discussão.
"A luta de classes não é moderna; foi pensada pelos antigos"
Entrevista por Vinicius Freire em Paris

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